quinta-feira, 14 de julho de 2011

O Renascimento

Profª Estela

O Renascimento é o período situado entre o fim da Idade Média e início da Idade Moderna, na Europa. Para alguns historiadores, o surgimento das obras dos italianos Dante e Petrarca, na segunda década do século XIV, marca o início desse período, que durou até o século XVIII, quando começou o Iluminismo. Outros historiadores, porém, consideram que a Idade Média teve fim em meados do século XV, com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 – fato que obrigou as potências europeias a buscarem novas rotas de comércio com as Índias –, dando início assim ao Renascimento. De qualquer modo, há um consenso de que o Renascimento passou por algumas “etapas” correspondentes aos séculos em que vigorou, em maior ou menor escala: Trecento (século XIV), Quattocento (século XV), Alta Renascença (fins do século XV e início do XVI) e Cinquecento (final do século XVI).

Origens

O Renascimento foi o resultado das lentas transformações que imprimiram uma nova feição à sociedade medieval, e que tiveram início por volta dos séculos XI e XII, com o florescimento do comércio na Europa, realizado nas grandes feiras que tinham lugar nas cidades italianas e alemãs. As velhas estruturas feudais, baseadas em relações de servidão em torno da terra, viram surgir novos componentes sociais os artesãos e os mercadores –, cujas atividades caracterizaram o período conhecido como Baixa Idade Média e que iriam compor uma nova classe em ascensão: a burguesia.
A Cruzada contra os muçulmanos, realizada pelo Papa Urbano II em 1095, também ajudou a intensificar o comércio, pois os mercadores acompanhavam as dezenas de milhares de europeus que iam guerrear contra os muçulmanos na Terra Santa, a fim de fornecer-lhes tudo o que necessitassem, desde armamentos e roupas até gêneros alimentícios. Deste modo, o tráfego marítimo também se intensificou, fortalecendo o grupo dos navegantes.
As cidades italianas de Gênova, Veneza e Pisa, com sua posição estratégica, favoreciam o atracamento de navios e funcionavam como porta para o lado oriental do Mar Mediterrâneo, facilitando assim o comércio da Europa com o Oriente nos séculos XI e XII, enquanto, em Flandres, a cidade de Bugres era o ponto de comércio nos mares do Norte e Báltico. Do século XII ao XV, as feiras eram realizadas nas cidades da planície de Champagne, que funcionavam como “ponto de encontro” entre o comércio do norte e o do sul.
As feiras duravam todo o ano, com os mercadores deslocando-se de uma para outra, e foram muito importantes ainda porque aí se efetuavam transações financeiras, em que eram trocadas as muitas variedades de moedas, negociavam-se empréstimos, faziam-se pagamentos, etc. Ou seja, a economia do feudo autossuficiente da época medieval, baseada no escambo, a esta altura já quase não existia mais, cedendo lugar à economia baseada em relações mercantis.
Paralelamente a esse intenso intercâmbio comercial, ocorria um intercâmbio cultural, decorrente do cosmopolitismo das cidades italianas e alemãs, que recebiam gente de todos os cantos da Europa e do Oriente. Além de pólos comerciais, as cidades italianas também eram as guardiãs da cultura clássica da Antiguidade. O ensino, até então de propriedade exclusiva da Igreja, passou a ser mais difundido, enquanto o latim, obrigatório nas escolas, foi sendo progressivamente substituído pelas línguas locais. Exemplo disso são os Cancioneiros, que eram a “febre” do período. Originados na cultura popular oral, os Cancioneiros dos trovadores começaram, a partir do século XII, a ser registrados por escrito em galaico-português na Península Ibérica. Na França, por volta de 1160 a 1180, Chrétien de Troyes reúne pela primeira vez, escritos em francês, os textos da novela de cavalaria A Demanda do Santo Graal, antes dispersos. Mas foi somente com as obras dos italianos Dante (A divina comédia, 1307-1321) e Petrarca (O cancioneiro, 1327), trazendo elementos da cultura greco-romana e escritas em italiano, que se pode dizer que o “Renascimento” cultural da Europa teve início. O Dolce Stil Nuovo, movimento integrado por Dante e outros poetas, inaugura uma nova forma poética, substituindo de vez a poesia trovadoresca e espalhando-se por toda a Europa.
No entanto, a par das transformações ocorridas na economia e na cultura, a Europa passava por grandes crises sociais, visto que, embora tenha surgido uma classe que obteve ascensão econômica – a burguesia –, a estrutura política e social permanecia a mesma da época medieval, baseada na existência de três estamentos enrijecidos: o clero, a nobreza e o “Terceiro Estado”, a que eram relegados burgueses e camponeses. A Igreja, grande proprietária de terras, resistia em conceder liberdade aos servos, que haviam passado não só a arrendar terras com pagamento em dinheiro, mas também podiam comprar a sua própria liberdade pessoal. Houve vários levantes no campo. Por outro lado, formou-se uma massa de camponeses assalariados, que não possuía dinheiro para arrendar terras nem comprar sua liberdade, enquanto, nas cidades, os pequenos artesãos enfrentavam o monopólio das guildas, as corporações de grandes artesãos e comerciantes que excluíam aqueles que não se adaptassem às suas rígidas regras.
A Peste Negra, que dizimou cerca de um terço da população europeia em meados do século XIV, também contribuiu para o agravamento da crise na Europa, causando a elevação dos salários dos trabalhadores e levando à tentativa dos senhores de proibir os aumentos salariais, mediante a imposição de leis para quem pagasse mais pelo trabalho – o que ocasionou mais revoltas.

O Humanismo

A maior difusão do conhecimento, muitas vezes financiada pela burguesia, fez surgir, no início do século XIV, uma categoria de intelectuais italianos que, influenciados pelos novos tempos e pela retomada da herança cultural da Antiguidade Clássica, deram origem ao movimento cultural do Humanismo. Preocupados com as questões do seu tempo, os Humanistas, localizados principalmente em Florença, abandonaram o conceito medieval de Teocentrismo, defendido pela Igreja, que tinha “Deus como centro do pensamento” e segundo o qual as coisas eram do jeito que eram por “vontade divina”, e o substituíram pelo Antropocentrismo, conceito que tinha o ser humano como centro do pensamento. Surgiram novos valores, como o racionalismo e o individualismo, que expressavam a crença no poder da ciência e da razão humanas.
Fundadas no conceito de imitatio, a escultura e arquitetura renascentistas também retomam os princípios da arte greco-romana, enquanto uma revalorização hedônica do corpo humano reforçava o conceito de Antropocentrismo. Novas formas de manifestação literária são utilizadas: em oposição à redondilha (versos de cinco e sete sílabas, que se tornaram a metrificação típica da Idade Média), o verso decassílabo passa a ser adotado por vários poetas italianos. Petrarca aperfeiçoa o soneto – a nova forma criada por Giácomo da Lentini no século XIII e utilizada por Dante e outros poetas –, separando os 14 versos que o compõem em quatro estrofes rimadas, sendo duas estrofes de quatro versos e duas de três.

                               Mapa da Itália com destaque para Florença
A latinização da cultura

De Florença, principal centro do pensamento humanista, o Humanismo se irradia para toda a Itália, e depois se espalha pela Europa durante o século XV. O “doce estilo novo” de Dante, baseado na introspecção, que Petrarca havia consagrado, é adotado por poetas de vários países europeus. A utilização da imprensa, a partir de 1450 na Alemanha, também foi um fator decisivo para a difusão do movimento renascentista e do pensamento humanista. Devido à redescoberta dos autores antigos e à necessidade de traduzir os gregos para uma língua aceita por diferentes países, ocorre uma revalorização do latim, que se torna a “língua da cultura” na Europa, espécie de “língua franca” do período. A própria Bíblia, o primeiro livro impresso por Gutenberg, que se tornou o marco da produção em larga escala de livros, foi traduzida do grego e publicada em latim vulgar – daí sendo denominada “Vulgata”. As universidades fundam bibliotecas, elevando assim o número delas, que desde o século anterior vinha tendo aumento considerável, sobretudo as particulares, pertencentes a burgueses abastados, que viam nos livros, confeccionados em pergaminho, um alto valor de mercado.

A redescoberta do ceticismo

O estudo dos gregos, empreendido inicialmente pelos humanistas italianos, fez ressurgir na Europa dos séculos XV e XVI o ceticismo, fundado como corrente filosófica por Pirro, na Grécia Antiga, no século III a. C., e que tinha, assim como o Humanismo, o ser humano como objeto de suas reflexões. Em 1480, inspirado no ceticismo, Pico della Mirandola publica o Discurso sobre a dignidade do homem, que introduz suas polêmicas 900 teses acerca do conhecimento humano, consideradas heréticas pela Igreja. Mais tarde, na década de 1560 na França, Henri Estienne e Gentien Hervet traduzem para o latim e publicam as obras de Sexto Empírico, que compilou, no século III da era cristã, o pensamento de Pirro e de outros céticos antigos. Sem renegar a fé cristã, os céticos renascentistas irão se valer da dialética inerente a essa forma de pensamento como método de combate às pretensões dogmatistas do pensamento escolástico, colocando em xeque deste modo a suprema autoridade religiosa da Igreja Católica, que também foi contestada pela Reforma Protestante de Lutero, em 1516-17.
Como reação tanto ao protestantismo luterano quanto ao ceticismo, o Papa Júlio II reúne em Roma, a partir de 1480, as grandes obras de artistas de origens diversas, como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael, caracterizando o período conhecido como Alta Renascença, que teve fim em 1527 com o Saque de Roma – episódio extremamente violento, promovido pelas tropas amotinadas de Carlos de Habsburgo, rei da Espanha, e apoiado pelos fanáticos luteranos.

O Maneirismo

A derradeira fase do Renascimento é conhecida como Maneirismo, quando, já espalhado por toda a Europa, os autores locais produzem suas obras em língua vernácula, dando origem assim a estilos marcadamente diferenciados. A essa altura, a Itália já havia deixado de ser o centro comercial da Europa, cedendo lugar às novas rotas de comércio abertas por Portugal e Espanha, com as grandes navegações. O saque de Roma, que obrigou o êxodo dos artistas que lá viviam, também contribuiu para aprofundar o clima de pessimismo e insegurança, refletido pelos maneiristas italianos em suas obras.
Em Portugal, o maior representante desta fase do Renascimento é Luís Vaz de Camões, que escreveu o poema épico Os lusíadas (1572). Exaltando os feitos dos navegantes portugueses e as tradições lusitanas à luz da cultura greco-romana, a obra de Camões torna-se um verdadeiro monumento da língua portuguesa. Na França, Montaigne publica, em 1580, seus Essays (Ensaios) obra considerada um marco da nova forma de se expressar –, entre os quais se acha o ensaio “A apologia de Raymond Sebond”, tratando do ceticismo filosófico. Na Inglaterra, surge William Shakespeare, o “bardo inglês”, autor de várias peças teatrais, escritas entre 1590 e 1613, muitas das quais inspiradas na cultura greco-romana. Finalmente, a Espanha é representada por Miguel de Cervantes, que escreveu a obra-prima Dom Quixote, publicada em 1605.

Contradições do Renascimento

O Renascimento foi um movimento bastante complexo, e tentar reduzi-lo a poucos eventos, características ou autores, obras e artistas, é sempre temerário. Foi principalmente um movimento contraditório em suas bases, pois apesar de valorizar a razão e a ciência como bens essenciais para o ser humano, a servidão na Europa ainda não era alvo de questionamentos consistentes. E, embora o Antropocentrismo tenha de fato colocado como “centro do pensamento” o ser humano e suas questões, a visão religiosa ainda persistia, quer sendo questionada, como fez Lutero em 1517, ou reafirmada pelo movimento católico da Contrarreforma, iniciado com o Concílio de Trento (1545 a 1563).
Neste sentido, a par da utilização da perspectiva e da perfeição das linhas na arte renascentista – algo celebrado por diversos estudiosos como uma reafirmação do conceito antropocêntrico –, os temas religiosos, sob o protetorado papal na Alta Renascença, são fartamente trabalhados pelos grandes mestres: Leonardo Da Vinci pintou “A Última Ceia” (1495-1498), enquanto Michelangelo pintou de 1508 a 1512 o teto da Capela Sistina, onde estão as obras “A criação de Adão” e “O juízo final”, e também fez esculturas abordando temas bíblicos, como “A Pietá” (1496) e “Davi” (1504).
Sem dúvida, as figuras religiosas renascentistas foram retratadas de forma “humanizada”, no entanto, desde Dante e sua Divina Comédia, passando pelas magníficas catedrais góticas europeias – cujas construções tiveram início na Baixa Idade Média, entre os séculos XII e XIII, e atravessaram todo o Renascimento , e pelos textos céticos que dão o “salto da fé”, como se vê em Montaigne e outros “céticos fideístas”, o que se percebe é uma visão ainda fortemente impregnada de religiosidade, que é sobretudo a visão do homem medieval em transição, sacudido pelas transformações que davam nova feição à Europa, pela expansão do mundo conhecido, provocada pelas Grandes Navegações, e pelos conflitos políticos que agitavam a Itália dos Médici.
A Contrarreforma Católica iria ainda contribuir decisivamente para uma mudança nos ideais estéticos renascentistas, que acabaram sendo substituídos, a partir do século XVII, pelo fervor religioso do Barroco.

Fontes:
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 20ª edição. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, sem data. [1936]

VERDAN, André. O ceticismo filosófico. Trad. Jaimir Conte. Florianópolis: Editora da UFSC, 1998.

http://pt.wikipedia.org


Larousse Cultural, verbete Renascença, p. 4985 a 4988.


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